“Carta aberta em repúdio ao regime de
superação episódica de direitos e garantias verificado na Operação Lava Jato”
(Publicada hoje nos jornais diários)
No plano do desrespeito a direitos e garantias fundamentais dos
acusados, a Lava Jato já ocupa um lugar de destaque na história do país. Nunca
houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um justo
processo estejam ocorrendo em relação a um número tão grande de réus e de forma
tão sistemática. O menoscabo à presunção de inocência, ao direito de defesa, à
garantia da imparcialidade da jurisdição e ao princípio do juiz natural, o
desvirtuamento do uso da prisão provisória, o vazamento seletivo de documentos
e informações sigilosas, a sonegação de documentos às defesas dos acusados, a
execração pública dos réus e a violação às prerrogativas da advocacia, dentre
outros graves vícios, estão se consolidando como marca da Lava Jato, com
consequências nefastas para o presente e o futuro da justiça criminal
brasileira. O que se tem visto nos últimos tempos é uma espécie de inquisição
(ou neoinquisição), em que já se sabe, antes mesmo de começarem os processos,
qual será o seu resultado, servindo as etapas processuais que se seguem entre a
denúncia e a sentença apenas para cumprir ‘indesejáveis’ formalidades.
Nesta última semana, a reportagem de capa de uma das revistas semanais
brasileiras não deixa dúvida quanto à gravidade do que aqui se passa. Numa atitude
inconstitucional, ignominiosa e tipicamente sensacionalista, fotografias de
alguns dos réus (extraídas indevidamente de seus prontuários na Unidade
Prisional em que aguardam julgamento) foram estampadas de forma vil e
espetaculosa, com o claro intento de promover-lhes o enxovalhamento e instigar
a execração pública. Trata-se, sem dúvida, de mais uma manifestação da
estratégia de uso irresponsável e inconsequente da mídia, não para informar,
como deveria ser, mas para prejudicar o direito de defesa, criando uma imagem
desfavorável dos acusados em prejuízo da presunção da inocência e da
imparcialidade que haveria de imperar em seus julgamentos.
Ainda que parcela significativa da população não se dê conta disso,
esta estratégia de massacre midiático passou a fazer parte de um verdadeiro
plano de comunicação, desenvolvido em conjunto e em paralelo às acusações
formais, e que tem por espúrios objetivos incutir na coletividade a crença de
que os acusados são culpados (mesmo antes deles serem julgados) e pressionar
instâncias do Poder Judiciário a manter injustas e desnecessárias medidas
restritivas de direitos e prisões provisórias, engrenagem fundamental do
programa de coerção estatal à celebração de acordos de delação premiada.
Esta é uma prática absurda e que não pode ser tolerada numa sociedade
que se pretenda democrática, sendo preciso reagir e denunciar tudo isso, dando
vazão ao sentimento de indignação que toma conta de quem tem testemunhado esse
conjunto de acontecimentos. A operação Lava Jato se transformou numa Justiça à
parte. Uma especiosa Justiça que se orienta pela tônica de que os fins
justificam os meios, o que representa um retrocesso histórico de vários
séculos, com a supressão de garantias e direitos duramente conquistados, sem os
quais o que sobra é um simulacro de processo; enfim, uma tentativa de
justiçamento, como não se via nem mesmo na época da ditadura.
Magistrados das altas Cortes do país estão sendo atacados ou colocados
sob suspeita para não decidirem favoravelmente aos acusados em recursos e
habeas corpus ou porque decidiram ou votaram (de acordo com seus convencimentos
e consciências) pelo restabelecimento da liberdade de acusados no âmbito da
Opera- ção Lava Jato, a ponto de se ter suscitado, em desagravo, a manifestação
de apoio e solidariedade de entidades associativas de juízes contra esses
abusos, preocupadas em garantir a higidez da jurisdi- ção. Isto é gravíssimo e,
além de representar uma tentativa de supressão da independência judicial,
revela que aos acusados não está sendo assegurado o direito a um justo
processo.
É de todo inaceitável, numa Justiça que se pretenda democrática, que a
prisão provisória (ou a ameaça de sua implementação) seja indisfarçavelmente
utilizada para forçar a celebração de acordos de delação premiada, como, aliás,
já defenderam publicamente alguns Procuradores que atuam no caso. Num dia os
réus estão encarcerados por força de decisões que afirmam a imprescindibilidade
de suas prisões, dado que suas liberdades representariam gravíssimo risco à
ordem pública; no dia seguinte, fazem acordo de delação premiada e são postos
em liberdade, como se num passe de mágica toda essa imprescindibilidade da
prisão desaparecesse. No mínimo, a prática evidencia o quão artificiais e
puramente retóricos são os fundamentos utilizados nos decretos de prisão. É
grave o atentado à Constituição e ao Estado de Direito e é inadmissível que o
Poder Judiciário não se oponha a esse artifício.
É inconcebível que os processos sejam conduzidos por magistrado que
atua com parcialidade, comportando-se de maneira mais acusadora do que a
própria acusação. Não há processo justo quando o juiz da causa já externa seu
convencimento acerca da culpabilidade dos réus em decretos de prisão expedidos
antes ainda do início das ações penais. Ademais, a sobreposição de decretos de
prisão (para embaraçar o exame de legalidade pelas Cortes Superiores e,
consequentemente, para dificultar a soltura dos réus) e mesmo a resistência ou
insurgência de um magistrado quanto ao cumprimento de decisões de outras instâncias,
igualmente revelam uma atuação judicial arbitrária e absolutista, de todo
incompatível com o papel que se espera ver desempenhado por um juiz, na
vigência de um Estado de Direito.
Por tudo isso, os advogados, professores, juristas e integrantes da
comunidade jurídica que subscrevem esta carta vêm manifestar publicamente
indignação e repúdio ao regime de supressão episódica de direitos e garantias
que está contaminando o sistema de justiça do país. Não podemos nos calar
diante do que vem acontecendo neste caso. É fundamental que nos insurjamos
contra estes abusos. O Estado de Direito está sob ameaça e a atuação do Poder
Judiciário não pode ser influenciada pela publicidade opressiva que tem sido
lançada em desfavor dos acusados e que lhes retira, como consequência, o
direito a um julgamento justo e imparcial – direito inalienável de todo e
qualquer cidadão e base fundamental da democracia. Urge uma postura rigorosa de
respeito e observância às leis e à Constituição brasileira, remanescendo a esperança
de que o Poder Judiciário não coadunará com a reiteração dessas violações.
Alexandre Aroeira Salles
Alexandre Lopes
Alexandre Wunderlich
Alvaro Roberto
Antanavicius Fernandes
André de Luizi
Correia
André Karam Trindade
André Machado Maya
Antonio Carlos de
Almeida Castro
Antonio Claudio Mariz
de Oliveira
Antonio Pedro
Melchior
Antônio Sérgio A. de
Moraes Pitombo
Antonio Tovo Antonio
Vieira
Ary Bergher
Augusto de Arruda
Botelho
Augusto Jobim do
Amaral
Aury Lopes Jr.
Bartira Macedo de
Miranda Santos
Bruno Aurélio
Camila Vargas do
Amaral
Camile Eltz de Lima
Celso Antônio
Bandeira de Mello
Cezar Roberto
Bitencourt
Cleber Lopes de
Oliveira
Daniela Portugal
David Rechuslki
Denis Sampaio
Djefferson Amadeus
Dora Cavalcanti
Eduardo Carnelós
Eduardo de Moraes
Eduardo Sanz Edward
de Carvalho
Felipe Martins Pinto
Fernando da Costa
Tourinho Neto
Fernando Santana
Flavia Rahal
Floriano Peixoto de
Azevedo Marques Neto
Francisco Ortigão
Gabriela Zancaner
Gilson Dipp
Guilherme Henrique
Magaldi Netto
Guilherme San Juan
Guilherme Ziliani
Carnelós
Gustavo Alberine
Pereira
Gustavo Badaró
Hortênsia M. V.
Medina
Ilídio Moura
Jacinto Nelson de
Miranda Coutinho
Jader Marques
João Geraldo Piquet
Carneiro
João Porto Silvério Júnior
José Carlos
Porciúncula
Julia Sandroni
Kleber Luiz Zanchim
Lenio Luiz Streck
Leonardo Avelar
Guimarães
Leonardo Canabrava
Turra
Leonardo Vilela
Leticia Lins e Silva
Liliane de Carvalho
Gabriel
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Luiz Guilherme Arcaro
Conci
Luiz Herique Merlin
Luiz Tarcisio T.
Ferreira
Maira Salomi
Marcelo Turbay
Freiria
Marco Aurélio Nunes
da Silveira
Marcos Ebehardt
Marcos Paulo
Veríssimo
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Marina Cerqueira
Maurício Dieter
Maurício Portugal Ribeiro
Mauricio Zockun
Miguel Tedesco
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Nélio Machado
Nestor Eduardo
Araruna Santiago
Nilson Naves
Paulo Emílio Catta
Preta
Pedro Estevam Serrano
Pedro Ivo Velloso
Pedro Machado de
Almeida Castro
Rafael Nunes da
Silveira
Rafael Tucherman
Rafael Valim
Raphael Mattos
Renato de Moraes
Roberta Cristina
Ribeiro de Castro Queiroz
Roberto Garcia
Roberto Podval
Roberto Telhada
Rogerio Maia Garcia
Salah H. Khaled Jr.
Sergio Ferraz
Técio Lins e Silva
Thiago M. Minagé
Thiago Neuwert
Tiago Lins e Silva
Ticiano Figueiredo
Tito Amaral de
Andrade
Victoria de Sulocki
Weida Zancaner”